Adroaldo Ribeiro Costa nos
conta em sua autobiografia Igarapé
esforço feito para que Salvador voltasse a ter um teatro. Diz ele que, em 1923,
Seabra investiu em reparos no Teatro São João, como parte das festas pelo
centenário da Independência. Mas em 6 de junho, a menos de um mês para a
reinauguração, misterioso incêndio destruiu o edifício. O sonho foi retomado em
fins dos anos 40, quando Mangabeira patrocinou (talvez, influência de Anísio
Teixeira) projeto para um centro de artes com teatro, escola dramática, teatro
de comédias, concha acústica e teatro infantil. O plano não foi adiante, mas naquele
momento estava sendo cultivada a semente do Teatro Castro Alves, finalmente inaugurado
em 1958 como o mais vigoroso monumento arquitetônico da capital baiana em pelo
menos três aspectos: localização, projeto e uso dos seus espaços.
Os teatros costumam estar – aliás, com todo
direito – em locais onde sejam vistos a partir de ampla perspectiva. Afinal de
contas, o teatro é monumento desde as suas remotas origens. Bruno Zevi nos
ensina que, para os gregos, o teatro era edificação de destaque em um conceito
de cidade onde o que mais valia era a definição do ponto central, como local em
que o povo pudesse se reunir. Dai o prestígio que se dava na antiga Grécia ao
teatro e à praça pública. Se a Ágora é o fundamento do urbanismo grego, o Teatro
é o fundamento da arquitetura grega e o TCA atende a esses dois requisitos: é
monumento concebido para ser “morada dos deuses”, e está edificado diante de
praça que tem rica história como ágora moderna, no centro da cidade.
O Campo Grande é um lugar polivalente: foi
sede de partido político onde Ulysses Guimarães enfrentou cães e metralhadoras
em maio de 1978; ali esteve erguido templo da Igreja Anglicana, quase ao lado
de onde funcionou a Assembleia Legislativa do Estado; abrigou em um de seus
flancos o carnavalesco Clube Cruzeiro da Vitória (antes, Cruz Vermelha); foi
por pouco tempo terminal de ônibus e em frente a uma de suas esquinas está o
Hotel da Bahia, cujo projeto (o original) é uma das obras precursoras da arquitetura
modernista em Salvador. E o mais importante na praça: tem a escala da sua
paisagem marcada pelo monumento aos heróis de 2 de julho.
A Ode ao Dois de Julho, reverenciado poema de
Castro Alves, narra as lutas travadas e o heroísmo na batalha até a vitória em
1823. O poeta parecia pressentir a necessidade de garantir mais que a memória
da luta pela independência. Ele se dirigia às novas gerações para que estas
compreendessem o verdadeiro significado daquele episódio, hoje tão esquecido. O
belo monumento ocupa o ponto central da praça e não é por outra razão que o cortejo,
que antes finalizava no Terreiro de Jesus, estende-se da Lapinha ao Campo
Grande.
Houve mudança na
relação espaço/poder na Grécia no momento em que o pensamento passou a ser
regido pelo “logos”, substituindo a concepção mitológica do mundo. Para a
arquitetura, ocorreu a abertura dos espaços para uso coletivo. Essa
“descoberta” produziu efeitos sobre a cidade, substituindo o antigo realismo
das explicações arbitrárias pelo idealismo da razão, pelo triunfo do que
somente poderia ser conquistado se, espacialmente, o território fosse livre. Esse
logos e suas consequências estão presentes no projeto do TCA por intermédio de
formas muito simples: o paralelogramo do foyer, o triângulo das paredes
laterais, os troncos de pirâmide que sustentam o auditório, o retângulo na
parede externa ao fundo, o trapézio na cobertura, tudo no mais autêntico traço
modernista. Quanto à condição de ser, digamos, uma arquitetura republicana, vale
destacar a transição entre o público e o privado (ou entre espaço exterior e
espaço interior) proporcionado a quem transita pela rampa no acesso ao
auditório, em direção ao lugar que é plateia sem frisas, sem camarotes, sem
diferença de qualidade nas poltronas.
Como espaços abertos,
desde as mais remotas formas de aglomeração, rodeadas de edificações ou
monumentos, as praças constituíram sempre locais de encontro de pessoas e
principal centro público para diversas finalidades. Se assim é, a raiz grega
ligada à função Teatro continua em evidência no TCA, onde tal condição se
confirma duplamente. Quando nos encontramos no foyer, sentimos a sensação de
não estarmos no templo, de ainda estarmos em recinto profano e é a rampa, como rito
de passagem, que nos leva lenta, silenciosa e respeitosamente em direção ao
sagrado.
A segunda evidência vem
com ajuda da etimologia: a palavra “praça” na origem latina é “plattea”, ou
seja, praça e plateia em português contemporâneo têm a mesma origem. A vista
que se tem da Praça 2 de Julho, o popular Campo Grande, desde o jardim suspenso
por sobre o foyer, nos dá a ideia de que, em relação a Salvador, o Teatro
Castro Alves é palco e plateia. Isto não é pouca coisa: sugere compromisso mútuo
entre o Teatro e a sua cidade.